Ricardo Alves da Silva
“- A maldade está na nossa alma, meu amigo – dizia, meio de brincadeira, meio a sério. – Não vamos nos livrar dela tão facilmente. Nos países europeus e no meu, ela é mais disfarçada, só se manifesta à luz do dia quando há uma guerra, uma revolução, um motim. Precisa de pretextos para se tornar pública e coletiva. Na Amazônia, pelo contrário, pode mostrar a cara e cometer as piores monstruosidades sem as justificativas do patriotismo ou da religião. Simplesmente a cobiça, nua e crua. A maldade que nos envenena está em qualquer lugar onde haja seres humanos, e tem raízes bem profundas nos nossos corações.” (grifo nosso)
O texto acima foi extraído do livro “O sonho do celta”, de Mario Vargas Llosa, Ed. Objetiva, que conta a história de Roger Casement, irlandês a serviço do Império Britânico no início do século XX.
Após presenciar e relatar as atrocidades cometidas pelos povos ditos civilizados no processo de colonização da África, em particular no Congo Belga, e também durante exploração econômica de seringais em região inóspita do Peru, o personagem tem despertado em si o nobre sentimento de liberdade e respeito a todos os povos, fazendo que se voltasse contra o governo que representava, uma vez que seu próprio país estava sob o domínio estrangeiro.
Em conversa com um norte-americano que compartilha seus sentimentos de respeito aos povos oprimidos e revolta contra o domínio econômico, cultural e militar dos estados ditos civilizados, percebe que as mudanças tão esperadas com seu trabalho de denúncia dos abusos não surgirão com a urgência esperada.
O que o autor peruano, Prêmio Nobel de Literatura de 2010, registra na fala de seu personagem, destacada acima, a Doutrina Espírita corrobora ao indicar estar no Espírito imortal a origem dos vícios e virtudes experienciados nas suas mais diversas encarnações.
Sob o título “Progressão dos Espíritos”, Allan Kardec organizou as questões 114 a 127 de O Livro dos Espíritos para nos auxiliar a compreensão do processo evolutivo das individualidades criadas simples e ignorantes por Deus; que onde vemos maldade, o que existe é ignorância; que o progresso é conquista individual do próprio ser que se melhora; que não tem quem permaneça na ignorância eternamente, sendo a perfeição o destino de todos; que conquistas alcançadas não se perdem, podendo o Espírito permanecer estacionário, mas não para sempre, etc.
Se o herói da saga comentada tivesse a felicidade de conhecer os conceitos espíritas na época dos seus esforços de denúncia de tantos males presenciados, talvez não mudasse seu espírito de justiça tão fortemente despertado no seu íntimo, transformado em trabalho efetivo em benefício dos povos explorados, com complicadas consequências imediatas para si mesmo.
A compreensão da verdadeira origem dos males humanos, ainda além do coração, diferente do imaginado por seu companheiro de viagem, não serve para atenuar nossas preocupações e capacidade de ação na busca de uma sociedade mais justa e fraterna de que todos somos merecedores, mas sim para nos orientar quanto à nossa própria realidade e que a conquista de mudanças efetivas é um trabalho a ser realizado numa percepção de tempo mais amplo, que começa hoje e cuja conclusão não está em nossas mãos.
Quando animados por sonhos de melhorias pessoais e coletivas, não duvidemos: o trabalho começa agora; não percamos de vista, entretanto, que o tempo, sob as bênçãos de Deus, determinará a época do término do serviço.
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